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fevereiro 2024

Carta ao Amor

By | poema | No Comments

Carta ao Amor

  

Hoje sinto saudades de mim, quero ficar quieta para minha alma pousar e com ela caminhar.

Quero levar aquilo que está silencioso dentro de mim que busca o amor.

Amor tão querido tão esquecido e deixado de lado, por não ser procurado corretamente, somente falado.

Amor fica perto de mim para que eu possa sentir a pureza do tempo sem tempo, do espaço infinito que a memória esquece e o coração anseia.   

Te busco no amanhecer, renovando meu olhar e votos. 

Te esqueço ao entardecer e volto a te procurar nos limites de minhas forças.

Resta apenas o silencio persistente dentro de mim.

Eu te executo em meus atos.

Será isso uma forma muda do sentimento existir?

Um estado inusitado do não conhecido e do não saber?

Será isso uma dor doida de uma necessidade mal interpretada?

Ai amor não saia de mim agora, para que eu possa de mim sair e te distribuir.

Para que possa despertar essa alegria serena que sabe o que sabe e sabe que não sabe.

Aqui fico degustando algo. 

Não sei se é bom, se é melancólico.

Talvez nuances tardias do não querer passar rapidamente naquilo que me é mais caro: a consciência que habita em mim.

O mim mesma mais doce e serena,

sem maldades prévias porém com prontidão. 

Deliciosa raridade do Ser.

 

 

Me apaixonei pelo meu terapeuta e agora?

By | Para Meditar | No Comments

Me apaixonei pelo meu terapeuta e agora?

Um dia me perguntaram: “Você tem algum material sobre pacientes que tem transtorno de personalidade e que se apaixonam pelo terapeuta?

Os transtornos de personalidade se caracterizam por um padrão mal adaptado, profundamente enraizado e inflexível com reações emocionais exacerbadas. Segundo o Manual Diagnostico e estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), um Transtorno de personalidade é definido como um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo.

Em geral existem 10 tipos de transtorno de personalidade: transtorno paranoide, transtorno esquizoide, transtorno esquizotípico, transtorno antissocial, transtorno boderline, transtorno narcisista, transtorno histriônico, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de personalidade esquiva ou evitativa, transtorno de personalidade dependente. (DSM-5 e CID-11)

Depois de refletir sobre a pergunta fiquei pensando que a vida é uma via de mão dupla e me perguntei sobre  qual a forma que o terapeuta abordava seu cliente que fazia com que ele se apaixonasse por ele – terapeuta?

Imagino que isso pode ser uma reviravolta nas psicoterapias.

As terapias que usam o paradigma intrapsíquico e que trabalham com transferência propiciam esse fator pois são relações que  causam esse ‘efeito colateral’.  Sim se apaixonar por seu terapeuta é um efeito colateral dessa abordagem. Freud (1915) chamava “amor de transferência”. Não é uma questão ética como alguns tentam argumentar mas uma questão técnica. Muito diferente de admirar um profissional que o tratou e qualificar seu esforço e o dele na direção do seu bem estar.

Na terapia relacional sistêmica quando trabalhamos com o outro trabalhamos com a gente mesmo simultaneamente, pois os avanços do cliente são proporcionais a habilidade do terapeuta se diferenciar  na sua própria família.

Todos nós estamos vinculados a um sistema familiar mesmo aqueles que vivem em orfanatos ou abandonados por seus pais. Nesses dois últimos casos essas pessoas estão vinculadas a sistemas substitutos que são suas referencias familiares. É nesse sistema que aprendemos a nos comportar e a repetir padrões  de comportamentos construtivos e destrutivos de nossos pais e familiares. Porque estou falando isso? Porque um profissional que trabalha com pacientes com transtornos graves precisa ter essa referencia teórica e metodológica em mente  para que não ocupe espaços que não lhe pertencem através de transferência.

Saber que você tem seu próprio pai, mãe e irmão conhecer os padrões funcionais e disfuncionais de sua própria família de origem, ter isso como meta de trabalho pessoal e conhecer a teoria sistêmica, como funcionar com essa metodologia e estuda-la corrige esse curso distorcido da paixão.

Se os  profissionais se colocam a disposição do cliente e não acionam a família de origem da pessoa a armadilha será fatal.  Incluir a família no tratamento implica em além de acionar as figuras corretas para o paciente se diferenciar, também, em orientar ao familiar a se comportar de forma diferente com o paciente referido.  Nesse processo os padrões repetitivos de comportamento começam a ‘falhar’ no bom sentido.  Como num caleidoscópio, se mudamos uma peça toda a figura muda. Novos comportamentos podem ser desenvolvidos.

Para os profissionais de terapia familiar sistêmica não existe um paciente com transtorno de personalidade mas sim um sistema familiar com transtorno de personalidade.  Todos estão incluídos, todos estão envolvidos e tem a sua parcela de responsabilidade no favorecimento da doença.  A confirmação dessa consigna aparece quando o paciente referido começa a melhorar e outro familiar mostra sintoma.  Para um terapeuta familiar a definição  de família saudável e funcional é aquela onde cada um pode “pirar” alternadamente.  Ou seja a alternância da disfuncionalidade propicia um contexto mais ameno e compassivo. Isso torna o sistema mais aberto a mudanças. Doença mental é congelamento do sistema no tempo.

Mas o que tudo isso tem a ver com a paixão?

Nós somos técnicos que trabalhamos para a saúde mental de nossos clientes e não podemos ocupar o lugar do familiar.  Pesquisar com o cliente seus referenciais familiares e mostrar para ele que  está repetindo ou escolhendo mudar é construir a responsabilidade, junto com ele, de seus atos.  Enfraquecendo então a tendência a culpar os pais, o país, a economia, o mundo  por suas escolhas.

Sei que parece um paradigma bem diferente mas ele é baseado em observação, experiência e estudo.  Aprendi com Bowen, médico psiquiatra e terapeuta familiar e em minha formação com Moisés Groissman na Núcleo Pesquisas RJ, que o maior beneficiário da terapia sistêmica é aquele que a está aprendendo.  Se o profissional se orienta na direção classificatória de seu cliente ele pouco poderá fazer na direção da saúde mental dele pois terá poucos subsídios, poucas ancoras.  A família de origem é uma ancora e uma referencia. Se ele se orienta pelo sistema familiar ele poderá assim construir um projeto de trabalho na direção da funcionalidade dele como profissional e do cliente que procura.

Bowen entende os transtornos mentais numa escala de diferenciação onde 0 seriam aqueles menos diferenciados e 100 os mais diferenciados.   Os pacientes psicóticos graves estariam na escala de 0-25, aqueles da escala de 25-50 seriam de alguma forma um pouco mais diferenciados mas ainda assim estariam no espectro psicótico, os de 50-75 já estariam na escala neurótica e portanto com maior possibilidade de se diferenciar de suas famílias.  Ele afirma que os profissionais em geral estariam nessa faixa. Já os de 75-100 ele sinaliza que não conheceu pessoas assim.  Estar na escala de 0-25 de diferenciação não significa que o paciente não possa estar equilibrado.  Existem familiares que se contentam somente com a calmaria do sintoma.

Para mim como estudiosa e observadora do assunto acredito que essa escala não para em 100 pois a possibilidade de nos diferenciarmos é infinita e até o final de nossas vida. Se estamos trabalhando com os padrões repetitivos de comportamentos na direção da diferenciação, podemos cada vez mais sermos criativos e renovadores naquilo que fazemos e nas relações com os outros.

Nesse sentido a paixão é nocauteada pois entra em cena a admiração e o respeito pelo bom profissional, o bom técnico.  Aquele que me ajudou a crescer, ter responsabilidade e caminhar na vida.  Se o cliente está saudável ele certamente ira procurar novas relações. O amor vai encontrar o lugar correto para ser trocado.  Nesse caso a admiração pode gerar um sentimento amoroso e sabemos muito bem que existem várias formas de amar.

Zeneide Jacob Mendes- Psicóloga,
Especialista e Formadora em
Terapia Familiar Sistêmica

 

Álcool e Sexo duplinha fatal

By | Para Meditar | No Comments

Álcool e Sexo duplinha fatal

Lendo o texto da Universa de Amaury Mendes Junior terapeuta sexual e Lucia Rosemberg Psicoterapeuta me inspirou a fazer uma reflexão sobre o tema.

Esse combo, álcool e sexo vem sendo muito comum e quase banalizado nas noites de sexta a domingo. Algumas pessoas tornam a vida tão intensa nessa direção que já iniciam na famosa “quintou”.

Existem diversos fatores para que isso ocorra, mas o que me impressiona é que essas mesmas pessoas dizem que vivem assim porque ‘ninguém quer nada sério’. Já ouvi essa frase diversas vezes em minha prática clínica e isso me faz pensar que própria pessoa que diz isso queira nada sério ou tecnicamente falando tem dificuldade com essa intimidade que vai além do corpo.

Para mim como terapeuta familiar sistêmica vejo que a questão da auto estima e falta de força de vontade é efeito colateral das dificuldades que a pessoa desenvolveu no núcleo familiar. Seja ele qual for pais heteros, homoafetivos, escolas para pessoas desprovidas de pais e que vivem em orfanatos, pais adotivos e famílias escolhidas .

Qualquer modalidade de grupo de cuidado pode construir determinados padrões de comportamento que desenvolvem atitudes de abuso de sexo e álcool. Acho que podemos falar de comportamentos compulsivos.

A dificuldade com o tema é a qualidade do sintoma. Ambos são prazerosos. Mesmo que imediatos – daí a repetição – levam ao prazer e descarga de tensão.
Muitas pessoas usam o sexo e o álcool para descarregar tensão. Por isso para iniciarmos um tratamento precisamos pesquisar a qualidade do exercício físico que a pessoa faz. Isso é um passo que ajuda demasiadamente no tratamento. Ensinar a pessoa a pensar naquilo que é construtivo ou destrutivo pode ser um segundo passo. Sim um segundo passo pois o aspecto de certo e errado que se instala no pensamento pode ser um truque para o ‘eu sou mesmo assim’, ‘não posso viver sem sexo’. A banalização do álcool e do sexo se instala como um veludo nesse contexto.
Esse padrão de pensamento binário, isso é certo, isso é errado, estimula a superficialidade do comportamento evitando a introspecção e reflexão sobre aquilo que me faz bem e aquilo que me machuca. Ouvi recentemente uma criança de 6 anos dizer quando estava chorando porque se machucou e alguém lhe ofereceu um chocolate: “quando meu corpo se machuca não gosto de comer”. Achei essa observação muito interessante pois quantos atos compulsivos advém de machucados físicos e emocionais? A criança estava sentida e queria sentir e deixar passar. Respeitar a percepção do outro faz parte do processo de inclusão sutil das relações. O que o outro me fala, acrescenta e me faz pensar e muitas vezes mudar. Quando foi que corrompemos essa fronteira? Uma boa pergunta a ser feita para nossos clientes.
A família tem papel preponderante em facilitar ou inibir nossas percepções. Quando facilitam ampliamos nossos horizontes de pensamentos e afetivos, quando inibem somos obrigados a repetir padrões familiares e ou ’clichets’ sociais ‘aceitos’ e nesse sentido somos agenciados pelo bem e o mal. A dificuldade se ergue no agenciamento e isso nos torna mecânicos e sem alma.

Alfabetizar-se no afeto é um trabalho que só acontece se temos como referencia o núcleo familiar. As crianças são alfabetizadas na medida do conhecimento de seus pais. Conhecer nosso núcleo familiar é ter parâmetro para escolhas não é se opor ou censurá-los mas sim como falamos em terapia familiar sistêmica, se diferenciar. Como nos orienta Bowen, se diferenciar não é ser diferente mas sim tomar uma distancia adequada da família sem atacar, recuar ou se esconder. Não podemos escolher como vamos nos comportar se não conhecemos o quanto um padrão familiar de comportamento nos afetou na nossa família.

Para mim tratar desse binômio álcool – sexo tem que ter o viés familiar. Familia como unidade emocional (Bowen). Familia como formadora de padrões relacionais que se reeditam em nossas relações de casamento, amizades e profissionais.

Não basta tratar do comportamento é preciso ir a fonte do conjunto de normas, ações trianguladas e concatenadas que se instalam de forma condicionada em nossos hábitos do presente.

Mudar um comportamento pode ser efetivo mas compreender a raiz do padrão garante a possibilidade de se diferenciar e exercer aquilo que acreditamos. O livre arbítrio só pode ser garantido a partir de uma ampla visão do sistema educativo primário.

Zeneide Jacob Mendes
Psicologa
Especialista em Terapia Familiar Sistêmica
Formadora e Supervisora